Síntese
A pandemia de coronavírus (COVID‑19) afetou de forma dramática a atividade económica mundial e da área do euro desde inícios de 2020. Após uma queda significativa no primeiro trimestre, o produto interno bruto (PIB) real da área do euro desceu 11,8% no segundo trimestre, não obstante a descida ter sido inferior ao esperado nas projeções de junho de 2020 elaboradas por especialistas do Eurosistema. Este colapso sem precedentes da atividade reflete o impacto negativo das medidas de confinamento rigorosas, aplicadas na maioria dos países da área do euro em meados de março. O impacto foi posteriormente atenuado pela flexibilização gradual dessas medidas, a partir de maio, assim como por alterações comportamentais em resposta à pandemia. Os indicadores de alta frequência em tempo real começaram a recuperar em maio, sugerindo uma recuperação forte, mas incompleta, do PIB real, que se projeta que registe um crescimento de 8,4% no terceiro trimestre. Subsequentemente, a projeção de referência assenta no pressuposto fundamental de um êxito parcial na contenção do vírus, com algum ressurgimento de infeções nos próximos trimestres, que exigirá medidas de contenção contínuas, embora menos do que na vaga inicial, até estar disponível uma solução médica em meados de 2021. Espera‑se que estas medidas de contenção, a par da elevada incerteza e do agravamento das condições no mercado de trabalho, continuem a pesar sobre a oferta e a procura. Contudo, o apoio substancial da política monetária e das políticas orçamentais e do mercado de trabalho, reforçadas desde as projeções de junho de 2020 elaboradas por especialistas do Eurosistema, deverá preservar os rendimentos e limitar as marcas na economia que poderão manifestar‑se após a resolução da crise sanitária. Pressupõe‑se também que essas políticas são bem‑sucedidas na prevenção de canais de grande amplificação financeira. Com base nestes pressupostos, projeta‑se que o PIB real da área do euro desça 8,0% em 2020 e recupere 5,0% em 2021 e 3,2% em 2022. No final do horizonte de projeção, o nível do PIB real situar‑se‑ia 3½% abaixo do nível esperado nas projeções de dezembro de 2019 elaboradas por especialistas do Eurosistema, anteriores à pandemia de COVID‑19.
Relativamente à inflação, no curto prazo, o colapso anterior dos preços do petróleo, a apreciação do euro e uma redução temporária da taxa do imposto sobre o valor acrescentado (IVA) na Alemanha implicam que a inflação global medida pelo Índice Harmonizado de Preços no Consumidor (IHPC) na área do euro se situará em torno de zero nos próximos meses. Em 2021, os efeitos de base na componente de preços dos produtos energéticos e, em menor grau, a esperada inversão da redução da taxa do IVA na Alemanha provocam, subsequentemente, uma recuperação mecânica. Projeta‑se que a inflação medida pelo IHPC excluindo produtos energéticos e produtos alimentares registe uma descida até ao final do corrente ano. Espera‑se que os efeitos desinflacionistas sejam generalizados nos setores dos bens e dos serviços, dado que a procura permanece fraca. No entanto, a continuação das pressões em sentido ascendente sobre os custos relacionadas com as limitações do lado da oferta deverão compensar parcialmente estes efeitos. A médio prazo, projeta‑se um aumento da inflação: pressupõe‑se que os preços do petróleo sobem e que a procura recupera, não obstante a diminuição das pressões em sentido ascendente, resultantes de efeitos adversos do lado da oferta associados à pandemia, e a apreciação do euro. De um modo geral, espera‑se que a inflação medida pelo IHPC suba de 0,3% em 2020 para 1,0% e 1,3%, respetivamente em 2021 e 2022[1].
Tendo em conta a incerteza acerca da evolução da pandemia, foram preparados dois cenários alternativos. O cenário moderado considera o choque como temporário, com uma rápida implementação de uma solução médica, que permite uma nova flexibilização das medidas de contenção. Neste cenário, o PIB real diminuiria 7,2% no presente ano, registando depois uma forte recuperação em 2021. No final do horizonte de projeção, o PIB real excederia ligeiramente o nível esperado nas projeções de dezembro de 2019 elaboradas por especialistas do Eurosistema, com a inflação a atingir 1,8% em 2022. Em contraste, o cenário grave com um forte ressurgimento da pandemia implica um retorno a medidas de contenção rigorosas. Estas pesam severamente sobre a atividade económica e provocam perdas de atividade substanciais e permanentes. Neste cenário, o PIB real desce 10% em 2020. No final do horizonte de projeção, situa‑se cerca de 9% abaixo do nível avançado nas projeções de dezembro de 2019 elaboradas por especialistas do Eurosistema, sendo a inflação apenas de 0,7% em 2022.
1 Principais pressupostos e medidas de política subjacentes às projeções
A projeção de referência assenta numa série de pressupostos críticos relativos à evolução da pandemia. Pressupõe‑se que o ressurgimento de infeções em algumas regiões europeias nas semanas recentes se generaliza e intensifica nos próximos trimestres, exigindo a continuação de medidas de contenção e/ou alterações comportamentais dos agentes económicos. Em virtude da experiência adquirida sobre a forma de lidar com a pandemia, parte‑se do pressuposto de que estas respostas passam a ser mais eficientes, implicando menores custos económicos do que na vaga inicial. Além disso, pressupõe‑se que uma solução médica satisfatória (como uma vacina) é encontrada até meados de 2021 e que a sua aplicação se generaliza gradualmente até ao final de 2021. Parte‑se do pressuposto de que, inicialmente, a recuperação económica se concentra sobretudo nos setores da indústria transformadora e de alguns serviços, continuando outros serviços – por exemplo, atividades artísticas, de espetáculos e recreativas e serviços de alojamento – a ser particularmente afetados. As projeções no tocante ao enquadramento internacional assentam em pressupostos semelhantes sobre a evolução da pandemia (ver a caixa 2).
Medidas significativas de política monetária, orçamental e do mercado de trabalho ajudarão a apoiar o rendimento, a reduzir as perdas de postos de trabalho e as falências e conseguirão também conter, com considerável êxito, os ciclos de interação adversa (feedback loops) entre o setor financeiro e a economia real. Além das sucessivas medidas de política monetária adotadas pelo BCE desde março, incluindo a recalibração do programa de compra de ativos devido a emergência pandémica (pandemic emergency purchase programme – PEPP) em junho, a projeção de referência comporta medidas orçamentais discricionárias relacionadas com a crise da COVID‑19, que correspondem a aproximadamente 4,5% do PIB em 2020 (cerca de mais 1,0 pontos percentuais do que o pressuposto nas projeções de junho de 2020 elaboradas por especialistas do Eurosistema). Estas medidas incluem regimes alargados de tempo de trabalho reduzido e subsídios salariais, que atenuam o impacto do colapso da atividade no emprego e nos rendimentos do trabalho. Mais especificamente, as empresas recebem subsídios substanciais e transferências de capital. Apesar de algumas medidas orçamentais terem sido prolongadas e de terem sido adotados e incluídos na projeção de referência novos pacotes para 2021, o pressuposto continua a ser de que muitas das medidas orçamentais de emergência atualmente em vigor são temporárias. Além disso, as garantias estatais parciais ou totais, em particular de empréstimos, que correspondem, no total, a cerca de 20% do PIB, deverão contribuir para atenuar as restrições de liquidez. O impacto do fundo de 750 mil milhões de euros proporcionado pelo Instrumento de Recuperação da União Europeia denominado “Next Generation EU” é considerado na projeção de referência, porque reduziu as taxas de rendibilidade das obrigações soberanas em alguns países e também em virtude dos efeitos sobre a confiança. Em termos de pressupostos orçamentais, a projeção de referência reflete o seu impacto apenas porque algumas das medidas nacionais adotadas recentemente poderão ser financiadas pelo referido instrumento. Além deste aspeto, as projeções de referência não incorporam medidas futuras que ainda não foram adotadas e poderão ser financiadas por este instrumento, dada a incerteza em torno dos planos de despesa dos governos durante o horizonte de projeção. Mais importante ainda, tanto as medidas de política monetária como os instrumentos públicos de crédito e de capital atuam como mecanismos de apoio, reduzindo, em particular, os riscos de cauda dos ciclos de interação adversa entre o setor financeiro e a economia real. No entanto, lucros mais baixos para as empresas poderão levar a um aumento das insolvências e das fricções no mercado de crédito, gerando alguns efeitos adversos de amplificação financeira, especialmente após a cessação das garantias estatais de empréstimos. Por conseguinte, a projeção de referência inclui alguns efeitos moderados decorrentes da maior restritividade das condições de financiamento.
2 Economia real
O PIB real registou uma queda sem precedentes no segundo trimestre de 2020. Segundo o Eurostat, o PIB real diminuiu 11,8% no segundo trimestre, prolongando a descida registada no primeiro trimestre e fazendo descer o PIB real cerca de 15%, em comparação com o quarto trimestre de 2019 (ver o gráfico 1). Todos os países da área do euro registaram taxas de crescimento trimestrais muito negativas no segundo trimestre, em particular a França, a Itália e a Espanha, entre os países de maior dimensão. Os dados disponíveis sugerem que os produtores de veículos automóveis, bens de investimento e transportes, assim como as atividades artísticas, de espetáculos e recreativas sofreram as maiores perdas no segundo trimestre, apesar de em diferentes graus nos vários países.
Gráfico 1
PIB real da área do euro
Os indicadores de alta frequência e prospetivos apontam para uma recuperação forte, mas incompleta, da atividade no terceiro trimestre. Os inquéritos compilados pela Comissão Europeia e os Índices de Gestores de Compras (IGC) recuperaram face aos mínimos registados em abril de 2020. O IGC compósito do produto recuperou para uma média de 53,4 em julho/agosto, face a um mínimo de 13,6 em abril e uma média de 31,3 no segundo trimestre, sinalizando uma recuperação do PIB real no terceiro trimestre. Indicadores de elevada frequência, como os indicadores de consumo de eletricidade, os indicadores de mobilidade com base no sistema GPS ou os pagamentos com cartão de crédito começaram a regressar aos níveis anteriores à crise, com o levantamento das medidas de confinamento nos países da área do euro, o que aponta também para um aumento forte do PIB real no terceiro trimestre. De um modo geral, a atividade no terceiro trimestre deverá subir 8,4%, implicando uma recuperação de cerca de metade da perda registada no primeiro semestre do ano.
Embora se pressuponha algum ressurgimento da pandemia e a manutenção de algumas medidas de contenção, projeta‑se que a retoma prossiga nos próximos trimestres. A continuação da retoma assenta no pressuposto de que o impacto das medidas de contenção diminuirá a um ritmo lento, a incerteza baixará gradualmente, a procura externa aumentará e as políticas serão favoráveis. Contudo, o PIB real regressará aos níveis anteriores à crise apenas de forma gradual. Tal implica que, no final do horizonte de projeção, o PIB real se situaria cerca de 3½% abaixo do nível indicado nas projeções de dezembro de 2019 elaboradas por especialistas do Eurosistema, as quais denotavam uma trajetória da economia sem a pandemia de COVID‑19.
Quadro 1
Projeções macroeconómicas para a área do euro
No que respeita às componentes do PIB, o consumo privado deverá registar uma descida histórica de 8,0% em 2020. O consumo privado registou uma diminuição muito forte no primeiro semestre de 2020, tendo as vendas de veículos automóveis e as despesas com férias e refeições em restaurantes sido as mais fortemente atingidas. Não obstante as perdas de rendimento disponível real relacionadas com os confinamentos terem sido amplamente atenuadas por transferências públicas, a queda do consumo foi amplificada pela combinação de uma poupança forçada e de uma poupança por motivos de precaução. Por um lado, a poupança forçada resultou do facto de as famílias cujos rendimentos não foram afetados não terem a possibilidade de comprar bens e serviços não essenciais. Por outro lado, a poupança por motivos de precaução aumentou, devido a uma diminuição abrupta da confiança dos consumidores e a um aumento sem precedentes da incerteza quanto às perspetivas económicas e de emprego.
Numa análise prospetiva, o consumo privado deverá apresentar uma recuperação robusta no segundo semestre de 2020, com as transferências orçamentais substanciais a continuarem a impulsionar o rendimento disponível e o comportamento de poupança a começar a normalizar após os confinamentos. Projeta‑se que a recuperação do consumo privado prossiga em 2021 e só ultrapasse o nível anterior à crise em 2022. Esta recuperação será apoiada pela esperada diminuição gradual da incerteza, ao passo que o desemprego elevado e a descontinuação das transferências orçamentais líquidas constituirão um entrave à recuperação das despesas de consumo privado.
Caixa 1
Pressupostos técnicos sobre taxas de juro, taxas de câmbio e preços das matérias‑primas
Em comparação com as projeções de junho de 2020 elaboradas por especialistas do Eurosistema, os pressupostos técnicos atuais incluem preços do petróleo significativamente mais elevados, uma taxa de câmbio efetiva do euro mais forte e taxas de juro de longo prazo mais baixas. Os pressupostos técnicos relativos às taxas de juro e aos preços das matérias‑primas têm por base as expetativas do mercado, com uma data de fecho da informação de 18 de agosto de 2020. As taxas de juro de curto prazo referem‑se à EURIBOR a três meses, sendo as expetativas do mercado determinadas a partir das taxas dos contratos de futuros. Seguindo esta metodologia, obtém‑se para estas taxas de juro de curto prazo um nível médio de −0,4% para 2020 e de −0,5% para 2021 e 2022. As expetativas do mercado quanto às taxas de rendibilidade nominais das obrigações de dívida pública a dez anos na área do euro implicam um nível médio anual de 0,1% em 2020 e 2021 e de 0,2% em 2022[2]. Em comparação com as projeções de junho de 2020 elaboradas por especialistas do Eurosistema, as expetativas do mercado em relação às taxas de juro de curto prazo diminuíram ligeiramente, tendo as taxas de rendibilidade nominais das obrigações de dívida pública a dez anos na área do euro sido revistas em baixa em torno de 30 pontos base para o período de 2021 a 2022.
No que se refere aos preços das matérias‑primas, as projeções têm em conta a trajetória implícita nos mercados de futuros, considerando a média da quinzena finda na data de fecho da informação de 18 de agosto de 2020. Nesta base, pressupõe‑se que o preço por barril de petróleo bruto Brent desce de 64,0 dólares dos Estados Unidos em 2019 para 42,8 dólares em 2020 e aumenta para 49,2 dólares em 2022. Esta trajetória implica que, em comparação com as projeções de junho de 2020 elaboradas por especialistas do Eurosistema, os preços do petróleo em dólares são significativamente mais altos ao longo do todo o horizonte de projeção. Quanto aos preços em dólares das matérias‑primas não energéticas, estima‑se que recuperem no decurso do horizonte de projeção.
Relativamente às taxas de câmbio bilaterais, parte‑se do pressuposto de que, durante o horizonte de projeção, permanecem inalteradas nos níveis médios prevalecentes no período de duas semanas findo em 18 de agosto de 2020, a data de fecho da informação. Tal implica uma taxa de câmbio média de 1,18 dólares por euro no período de 2021 a 2022, a qual é significativamente mais elevada do que a indicada nas projeções de junho de 2020 elaboradas por especialistas do Eurosistema. O pressuposto relativo à taxa de câmbio efetiva do euro foi revisto em alta em 3,1% desde as projeções de junho de 2020.
Pressupostos técnicos
O investimento em habitação também deverá registar uma contração acentuada em 2020. É o caso, em especial, dos países que aplicaram medidas de confinamento mais rigorosas. Os efeitos adversos sobre a procura de habitação decorrentes do menor rendimento disponível, da confiança mais fraca dos consumidores e do desemprego mais elevado deverão conduzir a um investimento em habitação persistentemente reduzido, o qual deverá situar‑se mais de 2% abaixo do seu nível pré‑crise no final do horizonte de projeção.
O investimento empresarial deverá registar uma quebra em 2020 e regressar gradualmente aos níveis anteriores à crise apenas em 2022. Estima‑se que o investimento empresarial tenha descido a pique no primeiro semestre de 2020, perante as medidas de confinamento e também devido à quebra da procura mundial e interna e ao aumento abrupto da incerteza. Uma recuperação muito limitada deverá ter início no segundo semestre de 2020, com a sua velocidade a divergir substancialmente entre países, espelhando sobretudo as diferenças de dimensão do colapso inicial. Perante a incerteza acrescida, é provável que as empresas adiem o investimento. Por conseguinte, espera‑se que o investimento empresarial na área do euro só atinja o nível prévio à crise perto do final do horizonte de projeção.
Projeta‑se que o endividamento bruto das sociedades não financeiras (SNF) aumente significativamente em 2020 e registe depois uma diminuição moderada, mas permaneça acima do seu nível anterior à crise no final do horizonte de projeção. O aumento inicial do endividamento bruto das SNF deve‑se à queda assinalável dos lucros das empresas no primeiro semestre de 2020 e ao consequente maior recurso a financiamento por dívida para colmatar necessidades de liquidez. O observado aumento do rácio da dívida das empresas deverá restringir o crescimento do investimento empresarial no horizonte de projeção, visto que as empresas têm de melhorar os respetivos balanços. Todavia, os pagamentos de juros brutos das SNF diminuíram para níveis historicamente baixos nos últimos anos e só deverão aumentar de forma gradual nos próximos anos, dissipando possíveis preocupações com a sustentabilidade da dívida.
Caixa 2
Enquadramento internacional
Com o levantamento gradual das medidas de contenção desde meados de maio, a atividade mundial começou a recuperar, como confirmado pelos dados de inquéritos. As medidas de contenção relacionadas com a COVID‑19 provocaram uma queda sem precedentes e sincronizada do produto e do comércio mundiais no segundo trimestre de 2020, o que é também confirmado pelos dados das contas nacionais que têm vindo a ser disponibilizados. No que respeita ao comércio mundial, os dados apontam para uma contração de dois dígitos, que, porém, é menos acentuada do que o avançado nas projeções de junho de 2020 elaboradas por especialistas do Eurosistema. Tendo em conta que as restrições foram flexibilizadas e a produção começou a normalizar, a atividade económica e o comércio mundiais deverão recuperar face aos níveis baixos do segundo trimestre. Em agosto, o IGC mundial compósito do produto (excluindo a área do euro) registou um aumento pelo quarto mês consecutivo, situando‑se em 52,6, tendo subido de 50,2 em julho e de um mínimo de 28,7 em abril. A recuperação é generalizada nos setores da indústria transformadora e dos serviços. No tocante ao comércio, o IGC mundial (excluindo a área do euro) relativo às novas encomendas de exportações na indústria transformadora subiu em agosto pelo quarto mês consecutivo, apontando para uma continuação da recuperação do comércio mundial no terceiro trimestre.
Projeta‑se que, após uma contração de 3,7% em 2020, o PIB real mundial (excluindo a área do euro) recupere e registe um crescimento de 6,2% em 2021 e 3,8% em 2022. A recuperação do nível de atividade apresenta‑se, porém, incompleta. Parte‑se do pressuposto de que algumas formas de distanciamento social persistem e espera-se uma solução médica apenas em meados de 2021. A projeção de referência a nível mundial pressupõe alguma continuação do aumento das infeções, que, no entanto, são mais localizadas do que na primeira vaga e tratadas com medidas de contenção mais direcionadas. Graças à experiência adquirida, essas medidas afetam menos a atividade económica do que antes. A incerteza persistente quanto à evolução e às repercussões económicas da pandemia pesará sobre o sentimento dos consumidores. Em comparação com as projeções de junho de 2020 elaboradas por especialistas do Eurosistema, o crescimento real do PIB mundial (excluindo a área do euro) foi revisto ligeiramente em alta para 2020 e 2021, não tendo, em geral, sido objeto de revisão para 2022.
No que respeita ao comércio mundial (excluindo a área do euro), projeta-se que registe uma contração de 11,2% em 2020, recuperando depois 6,8% em 2021 e continuando a apresentar um crescimento de 4% em 2022. A queda acentuada das importações mundiais (excluindo a área do euro) em 2020 reflete tanto a sua forte natureza pró‑cíclica, em especial durante contrações económicas, como também o caráter peculiar da crise da COVID‑19. As perturbações nas cadeias de produção mundiais e o aumento dos custos comerciais como parte das medidas de contenção afetaram o comércio mundial. Em termos prospetivos, embora o comércio mundial deva melhorar a par da atividade económica, concretizar‑se‑ão alguns efeitos que deixarão marcas. No curto prazo, as decisões dos governos de manter em vigor determinadas restrições de viagem, pelo menos até ser encontrada uma solução médica, podem continuar a pesar sobre o comércio por via dos custos comerciais mais elevados. Além disso, como a pandemia de COVID‑19 expôs a dependência de vários países em relação a fornecedores externos, tal pode resultar em políticas destinadas a diversificar os fornecedores a nível mundial, para evitar a dependência de um só fornecedor ou relocalizar a produção, afetando negativamente as complexas cadeias de valor mundiais. O perfil do nível de importações mundiais indicado nas projeções de junho de 2020 elaboradas por especialistas do Eurosistema é globalmente confirmado, apontando, assim, para uma perda significativa de comércio no horizonte de projeção, em comparação com a projeção de referência anterior à crise. Contudo, em termos de crescimento, pressupõe‑se que a contração menos acentuada das importações no primeiro semestre de 2020 é seguida de uma recuperação menos marcada. Quanto à procura externa da área do euro, projeta‑se que diminua 12,5% em 2020 e apresente um crescimento de 6,9% em 2021 e 3,7% em 2022 (o que compara com 7,8% e 4,2%, respetivamente em 2021 e 2022, nas projeções de junho de 2020 elaboradas por especialistas do Eurosistema).
Enquadramento internacional
As exportações da área do euro foram atingidas de forma mais forte pela pandemia de COVID‑19 do que as importações, devido ao colapso mundial de setores a que a área do euro está particularmente exposta, implicando exportações líquidas negativas em 2020. Estima‑se que as exportações tenham sido gravemente afetadas no primeiro semestre de 2020, como consequência direta das medidas de confinamento adotadas para conter a pandemia. O surto de COVID‑19 gerou perturbações sobretudo nas cadeias de oferta das indústrias automóvel, química e de maquinaria orientadas para a exportação, pesando mais sobre os principais setores exportadores da área do euro do que sobre os setores exportadores de outras regiões. As restrições de viagem e turismo conduziram ao colapso das exportações de serviços de hospitalidade e transporte, mas o levantamento de muitas restrições na área do euro e alguma flexibilização face ao resto do mundo contribuíram mais recentemente para uma recuperação parcial das exportações nestes setores. De um modo geral, as exportações da área do euro deverão registar um crescimento globalmente em consonância com a recuperação da procura externa da área do euro, se bem que a um ritmo mais lento do que o indicado nas projeções de junho de 2020 elaboradas por especialistas do Eurosistema, atendendo à perda de competitividade de preços em resultado do recente fortalecimento da taxa de câmbio do euro. As importações deverão diminuir menos do que as exportações em 2020, dado os principais exportadores serem particularmente afetados pela queda mundial da procura de automóveis e de bens de investimento. Consequentemente, projeta‑se que as exportações líquidas sejam negativas em 2020. A partir do terceiro trimestre de 2020, com a normalização das condições mundiais, a recuperação das exportações apresenta‑se um pouco mais forte do que a das importações, o que implica uma contribuição positiva das exportações líquidas para o crescimento do PIB nos trimestres seguintes. A partir de meados de 2021, tanto as exportações como as importações evoluirão em paralelo, implicando uma contribuição neutra das exportações líquidas para o crescimento no resto do horizonte de projeção.
Embora o desemprego tenha aumentado menos nos últimos meses do que o avançado nas projeções de junho de 2020 elaboradas por especialistas do Eurosistema, espera‑se que a situação do mercado de trabalho se deteriore substancialmente. O aumento da taxa de desemprego no segundo trimestre foi significativamente inferior ao esperado, ao passo que a descida do emprego em termos de número de indivíduos empregados foi apenas um pouco mais fraca do que o esperado. Estes desenvolvimentos recentes implicam uma diminuição muito mais acentuada do que o esperado da população ativa, refletindo, em parte, o facto de alguns trabalhadores que perderam o emprego serem classificados como “inativos”, em virtude das reduzidas oportunidades de procurar trabalho durante o confinamento. Uma redução das oportunidades de contratação poderá também ter provocado desânimo, levando muitos indivíduos a abandonar a população ativa. Pressupõe‑se que este efeito em sentido descendente sobre a população ativa seja gradualmente revertido nos trimestres seguintes. Com o início da normalização da população ativa e o termo dos regimes de tempo de trabalho reduzido, projeta‑se que a taxa de desemprego suba de 7,3% no primeiro trimestre de 2020 para 9,5% em 2021, descendo depois para 8,8% em 2022, face à recuperação da economia. Tal pressupõe que as políticas de preservação do emprego são amplamente bem‑sucedidas em manter empregados os trabalhadores em regime de trabalho reduzido, com uma transição limitada para o desemprego daqueles que saem dos regimes de manutenção de postos de trabalho. Enquanto a diminuição do emprego em termos de número de indivíduos empregados foi atenuada por um amplo recurso a regimes de tempo de trabalho reduzido em muitos países, o número total de horas trabalhadas deverá apresentar uma contração muito mais acentuada no segundo trimestre, refletindo o facto de muitas pessoas estarem empregadas, mas trabalharem muito menos horas. Posteriormente, espera‑se que o número total de horas trabalhadas suba mais rapidamente do que o emprego em termos de número de indivíduos empregados, com o regresso de muitos trabalhadores a um ritmo de trabalho mais normal.
No que respeita ao crescimento da produtividade por indivíduo empregado, projeta‑se que diminua em 2020 e recupere depois ao longo do horizonte de projeção. A descida acentuada do produto e o recurso intensivo a regimes de tempo de trabalho reduzido em países da área do euro implicam uma diminuição abrupta da produtividade por indivíduo empregado no primeiro semestre de 2020, projetando‑se uma reversão acentuada da mesma no segundo semestre do ano. Em contraste, o perfil de crescimento da produtividade por hora trabalhada apresenta‑se muito mais moderado durante a pandemia, atendendo a que o total de horas trabalhadas deverá acompanhar de perto a evolução do PIB. A partir do segundo semestre de 2021, projeta‑se que a produtividade do trabalho siga uma trajetória de crescimento globalmente estável.
Em comparação com as projeções de junho de 2020 elaboradas por especialistas do Eurosistema, a projeção para o crescimento real do PIB foi revista em alta para 2020 e permanece praticamente inalterada no resto do horizonte. O crescimento real do PIB foi objeto de uma revisão em alta para 2020, sobretudo devido a resultados melhores do que o esperado no segundo trimestre. Posteriormente, vários fatores adversos têm um impacto em sentido descendente no crescimento. Estes incluem uma procura externa da área do euro mais baixa a partir do terceiro trimestre de 2020, uma menor competitividade das exportações da área do euro na sequência da recente apreciação do euro e preços do petróleo mais elevados. O impacto em sentido descendente destes fatores é, em geral, compensado por efeitos positivos relacionados com as medidas de política monetária anunciadas pelo BCE em junho de 2020, pelo estímulo orçamental adicional e pelos efeitos sobre a confiança associados ao fundo de recuperação proporcionado pelo “Next Generation EU”.
Caixa 3
Cenários alternativos para as perspetivas económicas da área do euro
A elevada incerteza em torno do impacto da pandemia de COVID‑19 nas perspetivas económicas da área do euro justifica uma análise baseada em cenários alternativos. A presente caixa descreve dois cenários, que representam alternativas à projeção de referência das projeções macroeconómicas de setembro de 2020 elaboradas por especialistas do BCE, a fim de ilustrar uma variedade de efeitos plausíveis da pandemia de COVID‑19 na economia da área do euro.
Os cenários variam em função dos diferentes pressupostos sobre a pandemia e da resposta da economia. Esses pressupostos dizem respeito à evolução da pandemia, à severidade e duração das medidas de contenção, bem como à aplicação e eficácia de uma solução médica. Os pressupostos relativos à economia prendem‑se com as respostas comportamentais dos agentes económicos perante as perturbações económicas e os efeitos mais duradouros sobre a atividade económica, uma vez levantadas todas as medidas de contenção. As narrativas gerais da evolução destes fatores também determinam as projeções específicas dos cenários para a procura externa da área do euro, assim como as taxas ativas bancárias. Outros pressupostos condicionantes, tais como os relativos aos preços do petróleo, à taxa de câmbio e às políticas orçamentais, são os mesmos que na projeção de referência.
O cenário moderado parte do pressuposto de que, na sequência do recente aumento das infeções, o vírus é devidamente contido, ao passo que o cenário grave pressupõe um ressurgimento forte da pandemia. As narrativas em ambos os cenários permanecem, em termos gerais, semelhantes às das projeções de junho de 2020 elaboradas por especialistas do Eurosistema. O cenário moderado tem como pressuposto uma estabilização das infeções após o recente aumento e respostas económicas muito bem‑sucedidas por parte das autoridades e dos agentes económicos. O cenário grave contempla um forte ressurgimento da pandemia, levando os governos a reintroduzir medidas de contenção rigorosas. Os esforços sustentados para evitar a propagação do vírus no cenário grave continuariam a reduzir significativamente a atividade nos vários setores da economia até estar disponível uma solução médica, o que se pressupõe que ocorra em meados de 2021, mas a aplicação dessa solução não seria eficaz na contenção do vírus. Em comparação com a narrativa da projeção de referência, o cenário grave carateriza‑se por uma fraqueza maior e mais prolongada da atividade em todos os setores. Até certo ponto, tal é amplificado pelo aumento das insolvências, conduzindo a fricções no mercado de crédito que afetam negativamente os custos dos empréstimos e o acesso a financiamento das famílias e das empresas.
Quadro A
Cenários macroeconómicos alternativos para a área do euro
Estes cenários para a área do euro assentam nas mesmas narrativas gerais para a economia mundial e, por conseguinte, para a procura externa da área do euro. A procura externa da área do euro diminuiria em 2020 cerca de 8,6% e 15,5%, respetivamente no cenário moderado e no cenário grave. Numa análise a mais longo prazo, é provável que as perdas de procura externa da área do euro, em comparação com o seu nível na projeção de referência, persistam até ao final de 2022 no cenário grave.
O PIB real da área do euro aumenta entre 4,8% no cenário grave e 9,4% no cenário moderado no terceiro trimestre, mas o crescimento apresenta uma moderação no quarto trimestre em ambos os cenários (ver o gráfico A). Os cenários apontam para uma forte recuperação da atividade económica no terceiro trimestre, embora se projete que o PIB real permaneça muito abaixo do seu nível anterior à crise no terceiro trimestre de 2020, tanto no cenário moderado como no cenário grave. O crescimento real do PIB regista uma moderação para 5,0% e 1,3% no quarto trimestre, respetivamente no cenário moderado e no cenário grave. A recuperação mais fraca no cenário grave advém do pressuposto de que são necessárias medidas de contenção mais rigorosas, devido ao sucesso muito limitado na contenção do vírus e ao seu forte ressurgimento.
Gráfico A
Cenários alternativos para o PIB real e a inflação medida pelo IHPC na área do euro
Projeta‑se uma recuperação do PIB real, em média, mais forte no cenário moderado do que no cenário grave em 2021 e 2022 (ver o quadro A). No cenário moderado, como as medidas de contenção permitem uma normalização gradual da atividade económica, projeta‑se que o PIB real recupere fortemente em 2021. Tal é ajudado pela pressuposta aplicação de uma solução médica eficaz em meados de 2021, o que assegura um ritmo de recuperação relativamente forte também em 2022. O PIB real recuperaria para um nível muito superior ao da projeção de referência no decurso de 2021, situando‑se cerca de 4,5% acima da projeção de referência no final de 2022. Em contrapartida, no cenário grave, o ressurgimento de infeções, o êxito limitado das medidas de contenção e os pressupostos danos económicos persistentes continuariam a pesar sobre a atividade económica ao longo do horizonte de projeção. Espera‑se que o perfil da atividade económica seja praticamente horizontal em 2021, enquanto o PIB real desceria para um valor 5,8% abaixo da projeção de referência até ao final de 2022.
Os mercados de trabalho da área do euro recuperariam no cenário moderado, já que as políticas conseguiriam, em grande parte, evitar efeitos de histerese, apenas parcialmente contidos no cenário grave. No cenário moderado, projeta‑se que o emprego comece a recuperar já no terceiro trimestre de 2020. Em contraste, no cenário grave, o emprego diminuirá até ao segundo trimestre de 2021, começando depois a recuperar. À semelhança do PIB, espera‑se que o emprego ultrapasse claramente o nível da projeção de referência até ao final de 2022 no cenário moderado, mas projeta‑se que se mantenha abaixo desse nível no cenário grave. Em consonância com o perfil do emprego, no cenário grave, a taxa de desemprego em 2022 excederia o nível da projeção de referência em 2,4 pontos percentuais, sendo 2,2 pontos percentuais inferior a esse nível no cenário moderado.
No tocante à inflação medida pelo IHPC, as diferenças entre os dois cenários são reduzidas no curto prazo. Em 2020, a inflação global desce para 0,3% em ambos os cenários. Enquanto a duração da contração for incerta, a propensão para alterar de imediato os preços poderá ser reduzida.
Além do curto prazo, a inflação varia mais entre os dois cenários, devido a diferenças no equilíbrio entre a oferta e a procura. Espera‑se que tanto os efeitos em sentido descendente sobre a procura como os efeitos em sentido ascendente sobre a inflação sejam maiores no cenário grave do que no cenário moderado, mas considera‑se que o excesso de oferta seja mais elevado no cenário grave do que no cenário moderado, reduzindo a inflação. Relativamente à inflação medida pelo IHPC em 2021 e 2022, espera‑se que se situe, respetivamente, em 1,2% e 1,8% no cenário moderado e em 0,7% nos dois anos no cenário grave.
3 Preços e custos
A inflação medida pelo IHPC deverá aumentar de 0,3% em 2020 para 1,0% em 2021 e 1,3% em 2022 (ver o gráfico 2). A baixa taxa de inflação global em 2020 reflete, em particular, uma queda acentuada da inflação da componente de preços dos produtos energéticos do IHPC – em virtude da descida dos preços do petróleo desde o início do surto mundial de COVID‑19 – e a apreciação do euro, bem como uma redução da taxa do IVA na Alemanha, durante seis meses a partir de julho de 2020. Não obstante a recuperação parcial dos preços do petróleo nos últimos meses, espera‑se que a inflação da componente de preços dos produtos energéticos do IHPC dê um grande contributo negativo para a inflação global em 2020. Durante o resto do horizonte de projeção, os pressupostos aumentos dos preços do petróleo e alguns efeitos em sentido ascendente decorrentes do incremento dos impostos ambientais implicam uma subida da inflação da componente de preços dos produtos energéticos do IHPC. Na sequência do aumento súbito temporário da inflação da componente de preços dos produtos alimentares do IHPC em abril de 2020, provocada pelo surto de COVID‑19, os preços dos produtos alimentares numa base mensal começaram a registar uma moderação, já a partir de maio, com a flexibilização das medidas de confinamento e a diminuição das restrições da oferta. Espera‑se que a inflação homóloga dos preços dos produtos alimentares desça no decurso deste ano, aumentando depois gradualmente ao longo do resto do horizonte.
A inflação medida pelo IHPC excluindo produtos energéticos e produtos alimentares deverá registar uma moderação para, em média, 0,8% em 2020, subindo posteriormente a partir do segundo semestre de 2021. Nos próximos meses, espera‑se que os efeitos desinflacionistas sejam generalizados nos preços dos serviços e dos bens, atendendo a que a procura permanecerá fraca ou continuará a ser dificultada por medidas destinadas a conter a propagação do vírus. As pressões em sentido descendente decorrentes da fraqueza da procura e da redução da taxa do IVA na Alemanha deverão ser apenas parcialmente compensadas pelas pressões em sentido ascendente sobre os preços e os custos relacionadas com a escassez e as perturbações ainda em curso do lado da oferta, resultantes, por exemplo, de interrupções nas cadeias de valor mundiais, das medidas de distanciamento social e das reduções da oferta. No médio prazo, a inflação medida pelo IHPC excluindo produtos energéticos e produtos alimentares deverá registar uma subida gradual, visto que se espera uma intensificação das pressões em sentido ascendente sobre os preços, decorrentes do aumento da procura no contexto da progressão da recuperação económica, não obstante o impacto em sentido descendente da apreciação do euro. No tocante aos fatores do lado da oferta, embora as pressões em sentido ascendente resultantes dos efeitos adversos sobre a oferta associados à pandemia diminuam, a saída de empresas pode fazer subir as margens de lucro em alguns mercados para além das melhorias cíclicas. Os efeitos indiretos da pressuposta recuperação dos preços do petróleo também apoiarão a subida da inflação subjacente. Por último, os efeitos de base em sentido ascendente devidos à inversão do corte da taxa do IVA na Alemanha implicam um impacto em sentido ascendente nas taxas homólogas da inflação subjacente nos terceiro e quarto trimestres de 2021.
Gráfico 2
IHPC da área do euro
Projeta‑se que o crescimento da remuneração por trabalhador se torne negativo no curto prazo, mas recupere em consonância com a atividade económica em 2021 e apresente taxas de crescimento em torno de 2% em 2022. A remuneração por trabalhador diminuiu acentuadamente no segundo trimestre de 2020, refletindo a queda massiva e abrupta do número de horas trabalhadas por empregado durante os confinamentos e a compensação meramente parcial das perdas de rendimento pelos regimes de tempo de trabalho reduzido na maioria dos países. No entanto, a evolução da remuneração por trabalhador exacerba a perda de rendimentos do trabalho, visto que, em alguns países, o apoio estatal é registado como “transferências” em vez de como “remuneração por trabalhador”. Após os confinamentos, a remuneração por trabalhador deverá recuperar, embora não para o nível registado antes dos confinamentos, e continuar a subir gradualmente ao longo do resto do horizonte de projeção.
Segundo as projeções, o crescimento dos custos unitários do trabalho estará sujeito a fortes oscilações durante o horizonte de projeção, refletindo os movimentos abruptos do crescimento da produtividade do trabalho. A perda de produtividade do trabalho no segundo trimestre de 2020, devido a uma queda do PIB superior à do emprego, eleva significativamente os custos unitários do trabalho e a posterior recuperação da produtividade do trabalho implica uma descida forte dos mesmos. Numa análise para além da volatilidade relacionada com a crise, espera‑se que, subsequentemente, os custos unitários do trabalho registem um movimento, em geral, lateral.
As margens de lucro deverão, de um modo geral, atenuar as fortes oscilações dos custos unitários do trabalho ao longo do horizonte de projeção. Em resultado, considera‑se que irão recuperar, nomeadamente após uma descida no segundo trimestre. Na sequência de alguma moderação no segundo semestre de 2021, espera‑se que os lucros unitários excedam o nível anterior à crise perto do final do horizonte de projeção, num enquadramento de quase nenhuma pressão em sentido ascendente sobre os custos unitários do trabalho.
Os preços das importações deverão diminuir marcadamente em 2020, mas registar uma ligeira recuperação em 2021 e 2022. Este perfil é significativamente afetado por movimentos dos preços do petróleo, para os quais as anteriores quedas e a inclinação da curva de preços dos futuros do petróleo implicam uma taxa de crescimento muito negativa em 2020, mas taxas homólogas positivas a partir do segundo trimestre de 2021 e em 2022. A taxa de inflação positiva dos preços das importações a partir de 2021 reflete também algumas pressões em sentido ascendente sobre os preços, tanto das matérias‑primas não petrolíferas, como, de um modo mais geral, da evolução dos preços subjacentes a nível mundial cada vez mais elevados. Em contrapartida, a recente apreciação do euro exerce uma pressão em sentido descendente sobre o deflator das importações ao longo do horizonte.
Em comparação com as projeções de junho de 2020 elaboradas por especialistas do Eurosistema, a projeção para a inflação medida pelo IHPC mantém‑se inalterada para 2020 e 2022, tendo sido revista em alta para 2021. A inflação da componente de preços dos produtos energéticos do IHPC foi objeto de uma revisão em alta para 2020 e 2021, dada a recente recuperação dos preços do petróleo – também em termos de euros –, mas em baixa para 2022, devido a uma curva de preços dos futuros do petróleo mais horizontal, em comparação com a das projeções anteriores elaboradas por especialistas do Eurosistema. Em contraste, a inflação da componente de preços dos produtos alimentares do IHPC foi revista em baixa para 2020, refletindo uma moderação mais rápida do que o anteriormente esperado dos preços dos produtos alimentares no segundo semestre do ano, após o aumento súbito relacionado com a crise da COVID‑19, e foi objeto de uma ligeira revisão em baixa para 2021 e 2022. A inflação medida pelo IHPC excluindo produtos energéticos e produtos alimentares permanece praticamente inalterada em 2020, uma vez que o impacto de uma redução temporária da taxa do IVA na Alemanha no segundo semestre do ano é, em geral, compensado por resultados recentes mais fortes. Esta foi, contudo, objeto de uma revisão em alta no tocante aos anos seguintes, em virtude de o impacto em sentido descendente da apreciação da taxa de câmbio efetiva do euro ser mais do que compensado pelo impacto em sentido ascendente combinado da reversão do corte da taxa do IVA na Alemanha em 2021 e dos efeitos indiretos dos preços do petróleo mais fortes, assim como das projeções de maior atividade e de menor desemprego. Por seu lado, estas últimas refletem, em parte, o impacto das medidas de política monetária do BCE anunciadas em junho de 2020 e um estímulo orçamental adicional.
4 Perspetivas orçamentais
O apoio orçamental para mitigar o impacto macroeconómico da crise da COVID‑19 continua a ser substancial em 2020, tendo o estímulo suplementar sido considerado na projeção de referência, em comparação com as projeções de junho de 2020 elaboradas por especialistas do Eurosistema. A orientação orçamental[3] é avaliada como sendo extremamente expansionista em 2020. Tal decorre sobretudo das medidas orçamentais extraordinárias tomadas por todos os países da área do euro em resposta à pandemia. Para o conjunto da área do euro, estas medidas ascendem a cerca de 4½% do PIB, correspondendo a maior parte a despesa adicional sob a forma de transferências e subsídios a empresas e famílias, nomeadamente ao abrigo de regimes de tempo de trabalho reduzido. Em comparação com as projeções de junho de 2020 elaboradas por especialistas do Eurosistema, a projeção de referência para 2020 incorpora medidas suplementares relacionadas com a COVID‑19, correspondentes a cerca de 1% do PIB, principalmente devido a transferências e subsídios.
Atualmente, projeta‑se que o apoio orçamental seja largamente descontinuado em 2021, mas em menor grau do que o indicado nas projeções de junho de 2020 elaboradas por especialistas do Eurosistema, visto que algumas medidas foram prolongadas e foram adotados novos pacotes para 2021. Com base nas medidas aprovadas ou legisladas pelos governos à data de fecho da informação para os pressupostos orçamentais, a maioria das medidas relacionadas com a pandemia é temporária e cessa no final de 2020. Por conseguinte, a orientação orçamental para 2021 indica um aumento substancial da restritividade. No entanto, em comparação com as projeções de junho de 2020 elaboradas por especialistas do Eurosistema, a projeção de referência incorpora um maior estímulo em 2021, parte do qual é temporária.
Segundo as projeções, o défice orçamental e o rácio da dívida da área do euro registarão um aumento substancial em 2020 e uma ligeira diminuição em 2021 e 2022. O aumento do défice orçamental em 2020 decorre das medidas orçamentais de emergência e da componente cíclica negativa, que reflete o agravamento das condições macroeconómicas. A melhoria em 2021 diz principalmente respeito à descontinuação parcial das medidas orçamentais de emergência, bem como à componente cíclica menos prejudicial. O aumento súbito do rácio da dívida em 2020 para mais de 100% do PIB deve‑se ao diferencial entre taxa de juro e crescimento (efeito de bola de neve) e ao défice primário elevado. Em 2021 e 2022, o contributo dos défices primários continuados para o aumento da dívida é mais do que compensado por um efeito de bola de neve favorável, conducente a um rácio da dívida ligeiramente decrescente para a área do euro. Em comparação com as projeções de junho de 2020 elaboradas por especialistas do Eurosistema, as projeções orçamentais para a área do euro apresentam uma trajetória de défice orçamental superior no período de 2020 a 2021, sobretudo devido à flexibilização do saldo corrigido do ciclo. Tal é, em parte, compensado por uma melhoria da componente cíclica e por pagamentos de juros ligeiramente mais baixos, refletindo os pressupostos financeiros mais favoráveis. O rácio da dívida foi revisto em baixa, principalmente devido ao diferencial mais favorável entre taxa de juro e crescimento.
Caixa 4
Análise de sensibilidade
As projeções assentam fortemente em pressupostos técnicos acerca da evolução de determinadas variáveis fundamentais. Dado que algumas dessas variáveis podem ter um impacto considerável nas projeções para a área do euro, examinar a sensibilidade destas últimas a trajetórias alternativas desses pressupostos implícitos pode ajudar na análise dos riscos em torno das projeções.
Esta análise de sensibilidade tem por objetivo avaliar as implicações das trajetórias alternativas dos preços do petróleo. Os pressupostos técnicos relativos à evolução dos preços do petróleo subjacentes à projeção de referência, baseados nos mercados de futuros do petróleo, preveem um perfil ascendente para os preços do petróleo, com o preço por barril de petróleo bruto Brent a atingir cerca de 50 dólares dos Estados Unidos em 2022. São analisadas duas trajetórias alternativas dos preços do petróleo. A primeira trajetória foi calculada a partir do percentil 25 da distribuição obtida através das densidades implícitas extraídas das opções no que respeita ao preço do petróleo em 18 de agosto de 2020, a data de fecho da informação para os pressupostos técnicos. Esta trajetória comporta uma diminuição gradual do preço do petróleo para 37,1 dólares por barril em 2022, valor que é 24,5% mais baixo do que o pressuposto na projeção de referência para esse ano. Utilizando a média dos resultados dos diversos modelos macroeconómicos elaborados pelos especialistas, esta trajetória teria um pequeno impacto ascendente no crescimento real do PIB (cerca de 0,1 pontos percentuais em 2021 e 2022), ao passo que a inflação medida pelo IHPC seria mais baixa 0,1 pontos percentuais em 2020, 0,5 pontos percentuais em 2021 e 0,4 pontos percentuais em 2022. A segunda trajetória foi calculada a partir do percentil 75 da mesma distribuição e implica um aumento dos preços do petróleo para 58 dólares por barril em 2022, valor que é 17,9% superior ao pressuposto na projeção de referência para esse ano. Esta trajetória implicaria que a inflação medida pelo IHPC seria mais elevada 0,1 pontos percentuais em 2020, 0,5 pontos percentuais em 2021 e 0,2 pontos percentuais em 2022, enquanto o crescimento real do PIB seria ligeiramente inferior (descendo 0,1 pontos percentuais em 2021 e 2022).
Caixa 5
Previsões elaboradas por outras instituições
Estão disponíveis várias previsões para a área do euro elaboradas por organizações internacionais e instituições do setor privado. Todavia, essas previsões não são rigorosamente comparáveis entre si ou com as projeções macroeconómicas elaboradas por especialistas do BCE, dado que foram concluídas em momentos distintos. Baseiam‑se igualmente em diferentes pressupostos sobre a propagação provável da COVID‑19. Além disso, estas projeções utilizam métodos diferentes (parcialmente não especificados) de cálculo dos pressupostos relativos às variáveis orçamentais, financeiras e externas, incluindo preços do petróleo e de outras matérias‑primas. Por último, existem diferenças nos métodos de correção de dias úteis utilizados nas diversas previsões (ver o quadro).
As projeções dos especialistas do BCE para o crescimento real do PIB e para a inflação medida pelo IHPC estão globalmente dentro dos intervalos das previsões recentes de outras instituições e de analistas do setor privado. A atual projeção para o crescimento real do PIB é superior à da maior parte de outros analistas em 2020 e inferior em 2021. A projeção para a inflação medida pelo IHPC está muito próximo da de outros analistas em todo o horizonte de projeção, com exceção dos cenários da Organização de Cooperação e Desenvolvimento Económicos (OCDE) em 2021.
Comparação de previsões para o crescimento real do PIB e para a inflação medida pelo IHPC na área do euro
© Banco Central Europeu, 2020
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Para uma definição da terminologia específica, consultar o Glossário do BCE (disponível apenas em língua inglesa).
HTML ISSN 2529-4571, QB-CE-20-002-PT-Q
- A data de fecho da informação relativa a pressupostos técnicos, como os preços do petróleo e as taxas de câmbio, foi 18 de agosto de 2020 (ver a caixa 1). As projeções macroeconómicas para a área do euro foram concluídas em 27 de agosto de 2020. O atual exercício de projeção macroeconómica abrange o período de 2020 a 2022. Projeções com um horizonte tão alargado estão sujeitas a uma incerteza muito elevada, facto que é necessário ter em conta na sua interpretação. Ver o artigo dedicado a uma avaliação das projeções macroeconómicas elaboradas por especialistas do Eurosistema (An assessment of Eurosystem staff macroeconomic projections), publicado na edição de maio de 2013 (não disponível em língua portuguesa) do Boletim Mensal do BCE. Para uma versão acessível dos dados subjacentes aos quadros e gráficos selecionados, consultar http://www.ecb.europa.eu/pub/projections/html/index.en.html (página disponível apenas em língua inglesa).
- O pressuposto relativo às taxas de rendibilidade nominais das obrigações de dívida pública a dez anos da área do euro tem por base a média ponderada das taxas de rendibilidade das obrigações de dívida pública a dez anos de referência dos países, ponderada em função dos valores anuais do PIB e alargada pela trajetória a prazo obtida a partir da taxa de cupão do BCE que torna o preço da obrigação igual ao valor nominal (par yield) a dez anos de todas as obrigações da área do euro, sendo a discrepância inicial entre as duas séries mantida constante ao longo do horizonte de projeção. Quanto aos diferenciais entre as taxas de rendibilidade das obrigações de dívida pública específicas dos países e a média da área do euro correspondente, pressupõe‑se que permanecem constantes durante o horizonte de projeção.
- A orientação da política orçamental é medida como a variação do saldo primário corrigido do ciclo líquido do apoio estatal ao setor financeiro.
- 10 September 2020